Com o declínio das mobilizações de 2013, os enfrentamentos se transferiram da praça pública para as redes sociais e auditórios. É num auditório, após uma palestra, que começa “Crânio de Vidro do Selvagem Digital”. O novo livro de ficção de Luíz Eduardo Soares, acompanha o reencontro do protagonista, um acadêmico de esquerda, que herda muitas das experiências do próprio autor, com um velho companheiro de luta política que havia se esvaído no tempo e no espaço.
“Gritam pra soar mais radicais e verdadeiros, como se o tom de voz substituísse os argumentos.” - exclama o parceiro desaparecido, Martin Lau. A partir deste ponto os personagens por meio de lembranças em comum, viagens lisérgicas abençoadas pelo poder de ervas e chás capazes de libertar a mente, rumam ao passado e se embrenham em um floresta abissal de memórias.
“Crânio de Vidro do Selvagem Digital”, a mais recente ficção de Luiz Eduardo Soares, lançado pela Brasa Editora, é uma convocação para leitores que apostam na incerteza.
"Sinto que lhes devo uma explicação. Lego a vocês e sua prole um país de canalhas. Seria fácil lhes pedir desculpas, dizer que me esforcei para evitar, mas a verdade é que fui, sim, responsável. Caí na esparrela de que não havia mais nada a fazer. Caí porque era conveniente. Para não pôr tudo a perder, pus tudo a perder. Não incendiei catedrais, não matei o tirano, não parei o trânsito de todas as cidades como um assassino decente teria feito, não providenciei o desespero dos genocidas, não despedacei o corpo do imperador, não invadi a casa grande, não pendurei o senhor pelos pés, não injetei o sangue dos mutilados no coração dos traidores, não calcinei a terra dos violadores, não violei o túmulo dos cínicos, não persegui os torturadores até o inferno, não reparei que a gentileza era lúgubre e cúmplice, não vi o que se podia ver e era demasiado, não quis para mim o horror que é sua herança, não tive coragem de não ser bom, não fiz o trabalho sujo que meu tempo exigia, não quis figurar na galeria dos bárbaros, não quis carregar nos ombros a pilha de cadáveres, não quis o punhal e a dor das mães, não quis o fardo de pulhas abatidos, não pronunciei a palavra maldita, não levei até o fim a exumação da história infectada do Brasil, não infectei com o veneno de minha revolta a alma santa dos delicados."
Luiz Eduardo Soares é escritor, antropólogo e cientista político.
A Brasa Editora é um selo de quadrinhos brasileiros, que publica histórias sobre o Brasil para leitores brasileiros e todos os que gostem de nossa cultura. Do Oiapoque ao Chuí. Da periferia ao centro. Do mar ao sertão. E vice-versa. Os primeiros títulos da editora, lançados juntos em novembro de 2021, foram Brega Story, de Gidalti Jr. e Lovistori, de S. Lobo e Alcimar Frazão. Ambos premiados, foram aclamados com entusiasmo por público e crítica. Lobo, com passagem nas editoras Desiderata e Barba Negra, assume a cadeira de editor da Brasa.
A Brasa ficou entre os 5 finalistas do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Quadrinhos. Com seus títulos, já foi vencedora de prêmios do mundo dos quadrinhos e literatura: CCXP Awards 2022 (Melhor Álbum de Quadrinhos com Brega Story), HQ Mix 2022 (Edição Especial Nacional com Brega Story e Melhor Arte-Finalista com Lovistori - Alcimar Frazão), Prêmio Grampo 2023 (com Barrela) e Prêmio Minuano de Literatura 2022 (Melhor Quadrinho com Lovistori).